15/07/2018

O impacto catastrófico das espécies exóticas invasoras



Segundo o novo Relatório sobre o Estado Mundial das Aves (*) publicado pela BirdLife International, na actualidade mais de 1.500 espécies foram introduzidas e conseguiram estabelecer-se fora da sua área natural devido à acção directa ou indirecta do homem. E deste conjunto de espécies, aquelas que se expandem na nova área e se consideram portanto como espécies exóticas invasoras (EEI) têm um impacto devastador sobre a vida selvagem.

O impacto das EEI é especialmente importante sobre as aves que habitam ou nidificam nas ilhas oceânicas. Quando olhamos para o conjunto mundial das espécies de aves que se encontram ameaçadas ou em perigo de desaparição, as EEI são responsáveis por essa ameaça em 75% dos casos quando estamos em ilhas oceânicas, enquanto que são responsáveis apenas em 13% dos casos quando estamos em áreas continentais. Na realidade, as EEI são a principal causa da perda de biodiversidade nas ilhas oceânicas e particularmente da desaparição das suas aves nativas. Actualmente existem no mundo um total de 390 ilhas com uma ou mais espécies de aves em perigo de desaparição devido à presença de uma ou mais EEI.

Entre as EEI que ameaçam a sobrevivência das aves nas ilhas oceânicas, as principais espécies são, sem dúvida, os ratos e os gatos domésticos, cujo impacto se deve principalmente a actuarem como predadores dos ovos e crias das aves nos lugares de nidificação. Estas duas EEI ameaçam actualmente a sobrevivência de centenas de espécies de aves no mundo: 250 no caso dos ratos e 202 no caso dos gatos domésticos.


Como em todas as ilhas oceânicas, no arquipélago dos Açores os ratos e os gatos foram introduzidos pelo homem, nomeadamente pelos primeiros colonizadores portugueses, e são também aqui as principais EEI que ameaçam a sobrevivência das aves nativas açorianas.

Na realidade, podem ter sido já responsáveis pela desaparição de algumas espécies de aves açorianas que deixaram de existir mesmo nos inícios da colonização portuguesa, como foram o priolo-grande (Pyrrhula crassa), três espécies de frangos-d'água (Rallus carvaoensis, R. montivagorum e R. nanus) e uma espécie de mocho (Otus frutuosoi). Mas também, na actualidade, são sem dúvida responsáveis em parte pelo abandono de lugares de nidificação ou pelo decréscimo das populações de aves açorianas ainda existentes.

Perante esta situação, parece claro que ratos e gatos, mas também outras EEI introduzidas nas ilhas como os furões, deveriam ser retirados ou erradicados de todas as ilhas açorianas. E muito especialmente nas zonas próximas às áreas de nidificação das aves nativas. Felizmente alguns esforços neste sentido estão já a ser feitos na ilha do Corvo e também nalguns pequenos ilhéus de outras ilhas que contam ainda com a presença de importantes colonias de nidificação de aves marinhas.

Mas estes esforços são ainda muito insuficientes quando consideramos o conjunto do arquipélago açoriano. Infelizmente os descendentes dos colonizadores portugueses, os actuais açorianos, continuamos a olhar erradamente para estas espécies, especialmente para os gatos, tal como se ainda estivéssemos a viver todos no continente, onde estas espécies são, de forma natural, espécies nativas. Pelo contrário, nos Açores ratos e gatos não são espécies nativas, são espécies exóticas introduzidas pelo homem. E, para além disso, revelam ser espécies invasoras, tendo um impacto devastador sobre a fauna nativa açoriana.




(*) BirdLife International (2018). State of the world’s birds: taking the pulse of the planet. Cambridge, UK: BirdLife International.


30/01/2018

Nova lei que regula a caça nos Açores de costas voltadas para a conservação da natureza e o desenvolvimento do turismo





NOVA LEI QUE REGULA A CAÇA NOS AÇORES DE COSTAS VOLTADAS PARA A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO


Como cidadãos açorianos e também como ambientalistas queremos manifestar o nosso pesar pela aprovação na Assembleia Regional da nova lei que regula o exercício da caça nos Açores. Com ela perdeu-se mais uma oportunidade de colocar a defesa da natureza e o interesse geral de todos os açorianos por cima dos interesses particulares duma minoria elitista de caçadores, pouco representativa do conjunto dos caçadores açorianos, que pretende converter a natureza e o território da região num parque temático para a prática de determinados tipos de caça.

Com a finalidade de apoiar esses interesses, o governo regional, o proponente da nova lei, perdeu-se tecendo toda uma série de argumentos contraditórios e sem sentido. Num primeiro momento, por exemplo, considerou que o coelho-bravo é uma praga que causa danos na agricultura e que o exercício da caça é fundamental para poder controlar as suas populações. Mas depois, noutro momento, considerou que não se pode proibir a caça das aves nativas açorianas, aquelas que precisam de protecção, porque isso aumentaria a pressão cinegética sobre as outras espécies, isto é, sobre os tais coelhos que são uma praga.

Mas ainda, noutro momento, considerou que não há estudos que demonstrem que os coelhos sejam uma praga. E isto apesar de esta espécie estar incluída entre as 100 piores espécies exóticas invasoras a nível mundial e também a nível da Macaronésia, e apesar dos estudos, realizados por exemplo nas Canárias, que demonstram o seu forte impacto na flora nativa das ilhas oceânicas.

Durante o debate da lei na Assembleia Regional infelizmente não foi retirada nenhuma ave nativa da lista de espécies cinegéticas, tal como seria lógico fazer a partir dos diferentes argumentos científicos apresentados pelas associações conservacionistas. Pior ainda, foi acrescentada uma nova espécie à lista, a narceja-americana, o que parece claramente ilegal considerando que contraria o Decreto Legislativo Regional (15/2012) da Conservação da Natureza e da Protecção da Biodiversidade.

Desta forma, não foram retiradas da lista espécies como a narceja, que possui apenas cerca de 300-400 casais reprodutores nos Açores, mas por exemplo apenas uma dezena de casais na ilha de São Miguel, muitíssimos menos casais que por exemplo o priôlo. Não foram retiradas da lista espécies como o pato-real e a marrequinha, espécies migratórias das quais já existiram no passado registos de reprodução na nossa região. E não foram retiradas da lista espécies como as perdizes, espécies exóticas cuja introdução na nossa região também seria ilegal, e certamente disparatada quando se pretende que seja realizada por uma entidade pública como o governo regional.

A nova lei regional continua a permitir o exercício da caça nas zonas húmidas e nas proximidades dos trilhos pedestres, em grave confronto com o desenvolvimento do turismo na nossa região, nomeadamente o de observação de aves. O direito dos proprietários à “não caça” nos seus terrenos fica reduzido à decisão e boa vontade do governo. E também nada é feito para impedir a utilização na caça de espécies exóticas invasoras ou para reduzir os maus-tratos aos animais.

Claro que ainda pior foi a intervenção na Assembleia Regional de outros partidos como PSD e CDS, reclamando a caça de espécies ameaçadas como os pombos-torcazes, o aumento das populações de coelhos ou a introdução de mais espécies exóticas. Também foi bastante negativa a ideia recorrente em todo o debate, sem a mínima base científica, de que os animais selvagens precisam de ser caçados para manter reguladas as suas populações, como se a regulação natural das espécies e dos ecossistemas precisasse das espingardas dos caçadores.

Esperamos que no futuro, com governantes e representantes políticos mais iluminados, o bom senso acabe finalmente por se impor na lei. Esperamos que a conservação da natureza passe a ser finalmente uma realidade e uma prioridade política, honrando o que é de facto um direito e um dever constitucional de todos os cidadãos açorianos.



Assinantes:

Avifauna dos Açores
Amigos dos Açores – Associação Ecológica
Coletivo Açoriano de Ecologia Social (CAES)
Ambiflores – Associação de Defesa do Ambiente da Ilha das Flores


Alexandra Manes
Ana Cesário
Ana Nogueira Loura
Ana Sofia Ferreira
Ana Teresa Fernandes Baia Simões
Andrea Fernandes Simões Ribeiro
Carlos Ricardo
Carmo Barreto
Cristina D’Eça Leal Soares Vieira
Dário Rosa
David M. Santos
Diogo Caetano
Elsa Ferreira
Fabio Jorge da Silva Couto
Gabriela Mota Vieira
George Hayes
Gerbrand Michielsen
Hélder Correia
Helena Melo Medeiros
Jessica Pacheco
João Pacheco
Joël Bried
Jordana Vasconcelos
Jorge Ávila de Lima
José Manuel N. Azevedo
Lúcia Ventura
Luís Estrela
Luís Silva
Luís Viveiros
Maria Adelaide Oliveira
Maria Antónia T. de Fraga
Maria Anunciação Mateus Ventura
Maria Cristina de Sousa Tavares
Maria Helena Câmara
Maria Inês de Vargas
Maria José Aurélio
Maria Miranda Teixeira
Marlene Raposo Dâmaso
Nélia Melo
Paulo Monteiro
Rita P.P. Bernardino
Rui Soares Alcântara
Sérgio Rego
Teófilo Braga
Vera Correia