15/06/2012

Petição a favor da avifauna açoriana: resultados


A Petição "A favor da avifauna açoriana e contra a sua inclusão na lista de espécies de carácter cinegético" contou com o apoio total de 1167 assinaturas e foi discutida no plenário da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no dia 24 de Janeiro, ficando os resultados agora reflectidos no Decreto Legislativo Regional “Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Protecção da Biodiversidade”, recentemente publicado.

A Petição teve como resultado mais notório a retirada de quatro espécies nativas da lista de espécies cinegéticas, nomeadamente:

- O pato-frisado ou frisada (Anas strepera)
- O pato-trombeteiro (Anas clypeata)
- O arrabio (Anas acuta)
- O pato-marreco (Anas querquedula)

A proibição da caça destas espécies nativas é portanto uma vitória para os argumentos defendidos pela Petição. Ainda que esta vitória acabe por ser principalmente simbólica, pois estas quatro espécies são espécies migradoras muito raramente vistas nos Açores.

Infelizmente, este modesto resultado positivo viu-se ainda ensombrado pelo anúncio do governo regional de incluir proximamente outra espécie nativa na lista de espécies cinegéticas: o pombo-torcaz (Columba palumbus azorica), uma espécie de grande importância na conservação da floresta laurissilva.


Balanço da Petição

Para além da proibição de caça destas quatro espécies, a Petição teve consequências que podem considerar-se muito positivas. Assim, pela primeira vez:

- Foi debatida publicamente a conservação da avifauna açoriana e a sustentabilidade da sua caça.
- Foi debatida na Assembleia Regional a conservação dum conjunto de espécies da avifauna açoriana, e não unicamente a conservação isolada de “espécies estrela” como o priôlo ou o cagarro.
- Conseguiu-se reduzir o número de espécies cinegéticas partindo de critérios biológicos e de conservação, e não de interesses cinegéticos.
- Foi possível reunir a mais de um milhar de pessoas a favor da avifauna dos Açores.

A petição permitiu também esclarecer os diferentes interesses instalados:

- O governo regional considerou, mais uma vez, de maior importância os interesses privados duma minoria de caçadores que a conservação das espécies nativas açorianas. No entanto, confrontado com os absurdos da sua proposta, sentiu a necessidade simbólica de retirar quatro espécies da lista de espécies cinegéticas.
- Os partidos da esquerda (BE e PCP) mostraram o seu apoio à Petição, defendendo-a na Assembleia Regional e demonstrando o seu empenho por conhecer a base dos argumentos científicos.
- Os partidos da direita mostraram uma frontal e irresponsável oposição aos princípios da Petição, qualificando-os como falsos.
- Entre os caçadores, uma minoria elitista mostrou também a sua oposição aos argumentos da Petição, tentando passar a ideia de que a petição era “contra a caça”. Oposição que, mercê a sua posição social, conseguiu passar aos pareceres oficiais das poucas associações de caçadores formalmente estabelecidas.
- No entanto, a grande maioria de caçadores açorianos, quase exclusivamente dedicados à caça do coelho, mostrou a sua abertura ao debate sobre a caça das aves, sendo também consciente do declínio dalgumas das espécies nativas e introduzidas.
- A SPEA, associação ornitológica dedicada ao negócio da conservação das “espécies estrela”, teve de mudar oficialmente a sua posição, contrária à Petição, para passar a subscrever grande parte dos seus argumentos. Mesmo assim, defendendo que a caça bem gerida é relevante para a protecção das aves e da biodiversidade.
- As poucas associações ambientalistas regionais ficaram praticamente ausentes do debate, não mostrando a vontade ou a preparação técnica necessária.


Ameaças para a avifauna açoriana

Actualmente continuam a existir, portanto, graves e fortes ameaças para a avifauna açoriana, para os ecossistemas insulares e para o desenvolvimento dum turismo sustentável:

• Espécies com populações nativas próximas da extinção, como a narceja (Gallinago gallinago) e a galinhola (Scolopax rusticola), espécies de ecossistemas emblemáticos das ilhas como as turfeiras e os bosques, vão continuar a ser caçadas.

• O pombo-torcaz (Columba palumbus azorica), espécie de fundamental importância para a laurissilva, vai ser incluído proximamente na lista de espécies cinegéticas.

• Espécies não cinegéticas, mas que são praticamente idênticas a outras consideradas cinegéticas, vão ser inevitavelmente caçadas, como é o caso do pato-escuro-americano (Anas rubripes), da marrequinha-americana (Anas carolinensis) e da piadeira-americana (Anas americana).

• Espécies exóticas como a perdiz-vermelha (Alectoris rufa) e a perdiz-cinzenta (Perdix perdix) vão continuar a ser introduzidas no meio natural açoriano pela acção do próprio governo regional.

• Neste contexto, vão continuar a ignorar-se aspectos fundamentais dalgumas populações e espécies nativas, que a nível legal continuam a ser absurdamente tratadas como uma parte da avifauna do continente e não como pertencentes à região biogeográfica macaronésica.

• O turismo associado à observação de aves vai continuar a ser recebido “a tiro de espingarda”, mostrando-se um completo desprezo institucional pelo desenvolvimento desta actividade económica verde e sustentável.




2 comentários:

  1. Olá,

    Tenho que felicitar quem tenha tomado a iniciativa desta petição e fico feliz por saber que teve resultados efectivos junto dos órgãos de poder açoriano, que assim tomaram mais um passo no sentido duma sociedade ambientalmente consciente, coisa de que o nosso planeta cada vez mais precisa! :) Não acho é que faça grande sentido estar a desprestigiar o trabalho de conservação e divulgação do priôlo, como meio para defender a população de narcejas açorianas... mas, afinal, não é o priôlo, mais do que qualquer artificialismo de ''espécie estrela'', uma ave que não existe em mais lado nenhum do mundo que não nos Açores? É por isso que merece mais atenção da nossa parte do que qualquer uma das outras espécies. Se desaparecer, não existe em simplesmente mais sítio nenhum do mundo, sendo portanto algo impossível conseguir recuperá-la! Tal não acontece com a população nidificante de narcejas. Ora, não quero com isto dizer que se deve ignorar a conservação das narcejas, quero simplesmente dizer que não é solução para salvar espécies mais raras mas mais espalhadas pelo mundo, como a narceja, estar a referir depreciativamente o priôlo como ''espécie-estrela'', sendo esta uma espécie mais abundante mas infinitamente mais localizada. A conservação das duas espécies tem, como é claro, que ocorrer, e não me parece que estejam ausentes de organizações como a SPEA pessoas com conhecimento e vontade de o fazer. Todos se devem unir nesse sentido, e aí sim trabalhar para afastar o sectarismo e chegar a consensos. Tanto é triste que muitos observadores de aves defendam causas que não têm por vezes tantos fundamentos como julgam (não é este o caso), como é triste que organizações ditas ambientais se aproveitem economicamente do negócio em torno de determinadas espécies, como é triste que os partidos de esquerda geralmente apenas defendam o ambiente porque a direita não o faz e é uma útil bandeira de protesto e ataque, como é triste que os partidos de direita desprezem as questões ambientais de uma forma repugnantemente dogmática... mas, enfim, vivemos em democracia e temos todos de trabalhar no sentido de um debate cada vez mais produtivo em torno do que a ciência nos é capaz de dizer, com boa dose de certeza sobre o tema. E a ciência diz-nos que o priôlo e a narceja têm um papel igualmente importante na manutenção dos ecossistemas insulares, se bem que o priôlo é uma espécie de mais problemática conservação por natureza, pela sua reduzida área de distribuição. Começou-se, logicamente, por conservar o priôlo, e há de se continuar, devendo-se agora, sim, dar atenção a outras espécies como a narceja ou as várias espécies de patos migradores, infelizmente vítimas da caça descontrolada tanto nos Açores (agora já não :))como no continente.

    Cumprimentos,

    João Pereira

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  2. Caro João, ninguém está a criticar ou desprestigiar a conservação de aves ameaçadas como o priôlo. Unicamente estamos a criticar a completa incoerência e o absurdo que é estar a fazer grandes esforços para proteger a população de priôlos e ao mesmo tempo estar a caçar e eliminar fisicamente populações doutras espécies como a narceja nativa. Já agora, ninguém sabe qual é o estatuto de conservação que deve ser atribuído à narceja nos Açores, nem qual é o seu verdadeiro estatuto taxonómico (sabe-se que no inverno chegam exemplares americanos e europeus, os primeiros considerados agora como uma espécie diferente). De facto, nos Açores cada vez são identificadas mais espécies endémicas: nas aves, o próprio Pyrrhula murina, Oceanodroma monteiroi, e mais outras ainda em estudo. Dadas as especiais características do arquipélago, todas as espécies precisam medidas de conservação e todas elas (na sua diversidade genética) são importantes para os ecossistemas açorianos. DMS.

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